Quarta-feira a Fiona se enrolou no trabalho e teve que chegar mais tarde em casa. Minha tarefa era enrolar a Felícia, enquanto a vovó enrolava o Fergus, até a chegada da Fiona.
– Vamos fazer um suco?
– Vamos!
Peguei a juicer e todas as frutas que estavam pela hora da morte lá em casa (pedaços de mamão, manga, uvas, meia maçã e sei lá mais o que). Enquanto eu descascava a manga, Felícia jogava uma uva na juicer e comia duas, jogava uma e comia duas.
– Já tem um montão de uvas ali, papai?
– Ainda não. Tem que colocar mais uvas.
– Mais? Mais quantas? Uma?
– Não, mais um montão. Pode jogar esse montão de uvas aí.
– Um montão quantas? Três?
– Não. Dez.
– Dez é muito, papai. Eu quero comer.
– Então joga uma e come uma.
– Tá bom.
Continuou comendo duas para cada uma que jogava dentro da juicer, mas eu fingi que não vi. Para me cooptar, ela até colocou duas na minha boca.
—– x —–
O suco ficou pronto e a Fiona não chegou. Bebemos a vitamina e eu ainda precisava enrolá-la mais um pouco.
– Agora eu preciso da sua ajuda para lavar a louça. Você quer ser minha ajudante?
Essa sempre cola. Ela sempre quer ser a ajudante. Fico imaginando na escola, quando a professora diz que quer alguém para ser a sua ajudante: os bagunceiros ficam quietos lá no fundo da sala e os CDF’s, na primeira fileira, se dispõem a dar a vida em troca do posto e sua opaca glória. Minha filha é uma CDF, eu sempre constato quando isso acontece. Não poderia ser diferente, filha dos pais que tem.
—– x —–
Lavei a juicer seguindo o protocolo normal da tarefa. Eu lavo, enxaguo e ela acomoda a louça no escorredor. A pilha nunca fica 100%, mas até hoje nenhuma instabilidade crítica foi detectada. Com objetos mais sensíveis (copos de vidro e pratos de louça), eu intensifico a supervisão e até seguro junto com ela.
Dessa vez, porém, ela quis lavar a louça.
– Mas você já está me ajudando.
– Não, papai, agora você vai ser meu ajudante e eu vou lavar a louça. Pode ser?
– Pode.
Troquei de posto. Coloquei-a em frente à pia e fiquei ao seu lado, em frente ao escorredor. E fui dando as instruções. Como só restavam coisas de menor potencial lesivo (pratos e copos de plástico, talheres exceto facas, uma panela pequena e uma peneira de plástico), não me preocupei em pôr a mão na massa. Deixei-a se divertir e tentar dar conta da tarefa sozinha. E ela fez tudo muito bem. Não foi um primor (ela é uma criança de três anos fazendo aquilo pela primeira vez), mas foi muito bem.
Quando estávamos quase terminando, Fiona chegou e ainda conseguiu beber o restinho do suco.
—– x —–
Hoje de manhã, recebo no WhatsApp uma foto do recado deixado ontem pela professora na agenda da Felícia. Dizia o seguinte:
“Olá, Fiona!
Felícia nos contou que sabe lavar a louça direitinho e vai ensinar o Dindo, pois segundo ela o padrinho não sabe fazer essa tarefa direito.“
Adorei!!!
Eu também.
Queimou o filme do dindo.
Ele nem se importa. É verdade mesmo.
Essa criançada entrega mesmo.
Imagina o que pode acontecer…