Reichstag

Hoje, apenas o prédio preserva o nome Reichstag.  A Assembleia de Deputados mudou de nome após o fim da II Guerra Mundial – passou a se chamar Bundestag.  Semanticamente, essa mudança busca apagar um pouco do passado – que nunca deixa Berlim para trás – e apontar para um novo futuro.  Trocou-se a representação do império (reich) pela representação nacional alemã (bundes).  Então não confunda: o prédio ainda se chama Reichstag, mas o parlamento alemão, hoje, se chama Bundestag.  E hoje não é mais a bandeira soviética que tremula no alto do edifício, mas a tradicional bandeira tricolor alemã.

A bandeira soviética foi hasteada no alto do Reichstag para uma foto
A bandeira soviética foi hasteada no alto do Reichstag para uma foto

O prédio, erguido entre 1884 e 1894, testemunhou os principais eventos da história da Alemanha recente.  Foi de lá que, após a renúncia do Kaiser Guilherme II, foi proclamada a República na Alemanha (a República de Weimar).  Foi lá também que ocorreu o incêndio até hoje ainda não esclarecido, em 27 de fevereiro de 1933, que serviu de pretexto para desencadear os atos persecutórios de Hitler por toda a Alemanha – culminando com a dissolução do parlamento, ainda chamado Reichstag naquela época.

O Reichstag permaneceu semidestruído pelo incêndio durante todo o III Reich, até o fim da II Guerra Mundial.  Na Batalha de Berlim, o Exército Vermelho o usou como alvo preferencial, levando-o, praticamente, à ruína.  Foi após o término da Batalha que um fotógrafo chamado Yevgeny Khaldei pediu para que um soldado soviético encenasse o hasteamento da bandeira soviética no alto do prédio, na fachada leste.  O resultado todos conhecem.

Só em 1961 ele recebeu cuidados de restauração.  Todas as marcas do seu passado, praticamente, foram apagadas: a cúpula original, totalmente destruída na Guerra, deu lugar a uma nova.  As paredes que ainda estavam de pé foram cobertas por massa nova e as que já não mais existiam foram reconstruídas.  Era a segunda, mas não a última, fase da vida do prédio.  Nesse período, ele foi pouco usado, já que o Parlamento Alemão se reunía em Bonn.

Mas noites naquele prédio não foram feitas para serem esquecidas.  Assim como numa noite foi proclamada, de uma de suas sacadas, a República de Weimar, numa noite de 1933 ocorreu seu incêndio, numa noite foi proferido o famoso discurso “Povos do mundo, olhai esta cidade” e numa noite de 1990 foi ali que foi decidida e proclamada a Reunificação Alemã.

Inscrições de soldados soviéticos nas paredes do Reichstag
Inscrições de soldados soviéticos nas paredes do Reichstag

Logo após isso, em 1992, realizou-se um concurso para sua reforma, tendo vencido o projeto de um arquiteto britânico chamado Norman Foster, que consistia no resgate da história recente do edifício – e ninguém me tira da cabeça que isso foi mais um golpe de opressão histórica sobre os alemães.  O projeto consistia no desfazimento de muitas das benfeitorias feitas na primeira reforma para reexibir as marcas do passado do edifício.  Foi assim que ele passou a exibir mais buracos de bala que antes.  Foi assim também que as inscrições feitas por soldados soviéticos em todas as suas paredes originais voltaram a ficar visíveis e ao alcance dos olhos e das mãos.  A nova cúpula, belíssima, também é fruto dessa reforma.  Com essa reforma, o prédio também se tornou ecologicamente eficiente, produzindo quase toda a energia que demanda a partir de placas de captação solar e usando seu subsolo para resfriar o ar naturalmente, ar esse que é reinjetado no prédio como ar condicionado nos poucos dias de grande calor que acontecem em Berlim anualmente.

Mas são apenas poucos visitantes do Reichstag que conseguem ver essas marcas, embora elas estejam espalhadas por todo o prédio, praticamente.  Isso porque a visitação regular do prédio para turistas, disponível diariamente, leva o turista apenas ao teto do prédio e à sua cúpula de vidro – eu já disse que ela é belíssima?  Para conhecer o prédio por dentro e aprender essas e outras histórias, é necessário agendar uma visita com antecedência (há visitas guiadas até em português, para grupos de, no mínimo, 6 visitantes).   Só que essas visitas só ocorrem nos períodos de recesso parlamentar.  A visita pode ser agendada por e-mail, mas requer o envio de confirmação do nome e data de nascimento de todos os visitantes incluídos na reserva em até 5 dias úteis antes da visita, bem como apresentação de passaporte original para entrar no prédio.

Como estamos falando de Alemanha, tudo funciona excepcionalmente bem durante a visita.  Quinze minutos antes da hora marcada para início da visita guiada, os visitantes começam a ser admitidos na porta norte do prédio (os visitantes regulares formam filas quilométricas na entrada oeste, a fachada principal do edífcio, de frente para o Tiergarten), sem fila e sem burocracia.  Uma lista nominal, na mão do segurança, é o exemplo mais notável dessa impecável organização.

Minha visita foi feita em inglês, reunindo gente de toda parte do mundo, inclusive alemães.  O guia, um sujeito de meia idade, sério no cumprimento de seu dever de zelar pela segurança do prédio e dos visitantes, parecia conhecer bem todos os aspectos do seu trabalho.  Falava de história e arquitetura com a mesma desenvoltura.  Foi com ele que aprendi quase tudo do que escrevi neste post.

A caixa preta indica o período em que o Parlamento ficou fechado, durante o III Reich
A gaveta preta simboliza o período em que o Parlamento ficou fechado, durante o III Reich

No início da visita, todos são convidados a ir ao banheiro, de modo a ganhar autonomia para os próximos 90 minutos, tempo de duração média da visita.  Ninguém recusou.  Na volta, um dos integrantes do grupo comentou com o guia sobre o peso e a espessura gigantescas das portas dos banheiros, ao que o guia respondeu, com um risinho no canto da boca: “Nunca se sabe…”  A visita foi repleta de piadinhas espirituosas como essa – eu adorei!

A visita começa pelo subsolo, onde obras de arte alusivas à história e ao funcionamento do Parlamento Alemão repousam.  Uma delas, um corredor repleto de pequenas gavetas com o nome de todos os parlamentares da história da Alemanha, chama a atenção.  Uma gaveta preta, no meio daquelas inúmeras gavetas, simboliza o período do fechamento do Parlamento, durante o III Reich.  Ali, no subsolo, também está um pedaço do túnel que existia no subsolo do edifício, ligando-o a uma saída secreta do outro lado do Muro de Berlim.

A lindíssima cúpula do Reichstag vista de dentro
A lindíssima cúpula do Reichstag vista de dentro

Depois, a visita continua pela capela do prédio, por diversos corredores internos, passa pelo local onde os deputados se reúnem em assembleia, na sacada de onde foi proclamada a República de Weimar, por uma cantina onde é permitido aos deputados fumar (mulheres, prendam o cabelo e passem rápido por ali, porque o cheiro daquele ambiente é repugnante) e termina na arquibancada da assembleia geral, de onde os visitantes são encaminhados, em elevador exclusivo, e após nova revista, ao teto e à lindíssima cúpula do edifício – não me canso de repetir que ela é linda!

Ali, como uma exceção que confirma a regra, valeu a pena pegar o audioguide.  O português falado é de Portugal, mas isso pouco importa.  Ele não tem botões: fala ao seu ouvido conforme você avança na rampa espiral de subida da cúpula até o seu cume.  Embora o ritmo de narração seja lento e implique em muitas paradas no caminho de subida, foi muito gostoso curtir todas aquelas informações sobre o prédio e, principalmente, sobre a cidade, que se revela aos pés do visitante.  Em dias claros – eu dei sorte! -, é possível ver muito longe lá do alto.  Lá em cima há também um restaurante que funciona apenas com agendamento prévio, mas esse eu não experimentei.  Ficou para a próxima!

4 Comments

  1. Estou aqui fazendo o meu planejamento de viagem com a primeira etapa em Berlim e já inclui essa atração na minha lista. Vamos ver como vamos finalizar tudo! Uma pergunta: quantos dias você ficou em Berlim e quantos em Londres? Vamos ter que nos planejar em função do número de dias para a viagem…

    Foram sete dias inteiros em cada uma.

  2. Pra variar, um ótimo post, tamanha quantidade de informações de relevo.

    Mais do que escrever para um guia ou revista de viagem, você deveria ministrar aulas de história e geografia moderna para os vestibulandos. Ia ganhar um bom dinheiro.!

    Aproveitando o ensejo, lembro que a queda do império soviético fez com que ficássemos todos privados de ouvirmos aquele belíssimo hino nacional deles. Dos mais belos e imponentes do mundo!

    Mais uma vez, sou um talento jogado fora.
    E essa informação do hino soviético… Vou até procurar ouvir.

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