Diferenças, parte 6

Não é que não existam outras diferenças culturais, comportamentais, sociais…  Mas é que essas outras não rendem um post completo.  Por isso, este será o último post desta série introdutória aos assuntos relacionados à minha última viagem de férias.  O tema, desta vez, é o trânsito.

O trânsito nas grandes cidades europeias – todas as que eu conheço, pelo menos – é bastante facilitado pela abundância e eficiência dos meios de transporte públicos (metrô, barcos, ônibus, trens metropolitanos, bondes…).  Isso não significa que ele seja uma maravilha…  Não é.  Mas, definitivamente, locomover-se por lá é muito, mas muito mesmo, mais fácil do que se locomover em São Paulo ou no Rio de Janeiro, nas mesmas condições.

Apesar disso tudo, existe uma incrível diferença entre o trânsito por aquelas bandas e o trânsito destas bandas: a educação dos motoristas.  Não me refiro apenas à educação em relação às regras de trânsito não.  Além disso, existe também cordialidade e gentileza ao volante.  Bem diferente da selvageria das ruas daqui.  Existem deslizes, logicamente, mas eles não são nada perto da nossa realidade tupiniquim.

Para começar, a temperatura fria da maior parte do ano desestimula bastante o uso de motos.  E, mesmo no verão, aqueles que colocam suas motos na rua, o fazem de maneira civilizada: não andam sobre a faixa pontilhada nem rabiscam o trânsito entre os veículos.  Também não andam buzinando o tempo todo – aquele barulho esganiçado nojento de uma buzina de motocicleta…  Argh!

Como se isso não fosse bastante, raras vezes se vê uma disputa desleal entre um coletivo e um veículo de passeio por espaço – até porque, em algumas cidades, como Paris, os ônibus circulam por faixas privativas em quase toda a cidade.  Guardas não apitam a esmo e, não duvido, devem saber exatamente para que serve um silvo longo acompanhado de um silvo breve.  E pedestres também fazem a sua parte, atravessando no sinal, sobre a faixa de segurança – é raro você ver um pedestre se lançar no meio do trânsito como aqui.

Ponto de bicicletas do Vélib
Ponto de bicicletas do Vélib

Isso não significa que a circulação viária nas ruas daquelas bandas seja uma maravilha, um sonho…  Eles têm seus problemas também e o principal deles é o crescimento do número de veículos nas ruas.   Paris resolveu enfrentar o problema com medidas interessantes: criou as faixas de circulação exclusiva de ônibus e o sistema de aluguel público de bicicletas (chamado Vélibclique aqui para saber como funciona).  Esta última medida desafogou os transportes públicos, reduziu o uso de carros particulares e ainda contribuiu sensivelmente para reduzir o nível de sedentarismo da população; a primeira tornou o transporte público mais rápido que o transporte privado, uma vez que há pouca concorrência entre eles por espaço na rua e, assim, as faixas de ônibus estão sempre livres ao avanço do coletivo, enquanto os veículos de passeio se estapeiam no que sobrou da rua para seguir seus caminhos.  Dirigindo em Paris, por exemplo, num dia de semana comum em pleno mês de férias, levei maia horas para avançar os quatro quilômetros que separavam meu hotel da Gare du Nord, local onde eu deveria devolvê-lo.

Medidas como essas funcionariam por aqui?  A primeira já foi tentada duas vezes e não funcionou.  Na primeira tentativa, as bicicletas foram vandalizadas.  E, mesmo após a segunda tentativa, a ideia não colou.  Em Paris, a primeira meia hora da locação é gratuita!  Aqui, qualquer aluguel é pago.  Em Paris, há estações em toda a cidade, duas por esquina, em alguns lugares; aqui, só a Zona Sul tem poucos e distantes pontos de aluguel/entrega de bicicletas.  O povo francês é tarado por bicicletas, o ciclismo por lá é o esporte nacional, praticado diuturnamente por toda a população, desde crianças até velhinhos, as pessoas viajam de bicicleta (pegam estrada mesmo!); aqui não existe essa paixão pelas duas rodas.  Por causa dessa paixão, o respeito ao ciclista em Paris é enorme; agora experimenta colocar sua bicicleta na rua aqui para ver o que acontece?  E, por fim, Paris está toda coberta de ciclovias, ao passo que o Rio conta com ciclovias em apenas poucas ruas da Zona Sul.

Em Berlim, tive a impressão de que a tática era contar com a eficiência dos transportes públicos, a disciplina do povo alemão e evitar construir estacionamentos no centro da cidade.  Não obstante, ficou bem claro, para mim que o povo alemão também é bastante chegado numa bicicleta.  Há bicicletários em toda parte e, mesmo nas regiões em que a cidade não é tão plana assim, as pessoas circulam de bicicleta, ladeira acima e ladeira abaixo, com bastante naturalidade.  E, para quem for lá, fica a dica: a faixa vermelha pintada sobre a calçada é a ciclovia: evite ao máximo andar a pé por ali e, se for necessário cruzá-la, olhe para os dois lados antes.  Aqui no Brasil, onde a calçada é utilizada como estacionamento, duvido que isso funcionasse.

Congestion Zone
Congestion Zone

Contudo, do que eu vi, Londres é a cidade que vem enfrentando o problema de forma mais agressiva.  As medidas implantadas por aquelas bandas mexem na parte mais sensível do corpo do ser humano: o bolso.  As autoridades londrinas delimitaram um perímetro ao redor do centro da cidade e o apelidaram de Congestion Zone.  Para ingressar nesse perímetro, sendo morador ou não, o veículo paga a taxa (módica!) de oito libras esterlinas por dia (zona laranja do mapa ao lado).  Esse sistema é chamado de “pedágio urbano“.  Nas zonas roxas, há um desconto nessa taxa para moradores.  Câmeras em todas as esquinas de acesso monitoram o fluxo de entrada de veículos na Congestion Zone e mandam a conta para a casa do dono do carro.

Além disso, recentemente (no fim de semana anterior à minha chegada por lá), Londres também adotou um sistema de aluguel de bicicletas públicas – chamado Barclay’s Cycle Hire – extremamente parecido com o modelo parisiense mas, pelo que vi, a novidade ainda não pegou – talvez porque os britânicos sejam um pouco avessos a novidades, talvez porque eles curtam mais cricket, futebol e rugby do que ciclismo.  A novidade, no entanto, tem tudo para dar certo.

Enquanto isso, a gente segue vivendo a vidinha de congestionamentos intermináveis, rezando para não chover (porque aí o trânsito vai para o beleléu de vez), sem transporte, sem bicicleta e com os mesmos problemas de sempre – agravados a cada dia.

4 Comments

  1. Você conhece a piada de quando Deus criou a Terra, os países, os fenômenos naturais, o clima, as praias e etc? O meu comentário a esse post é a resposta de Deus para o anjo Gabriel…

    Mais ou menos isso mesmo. Você tem razão.

  2. A primeira vez que vi o Vélib, lá no inverno de 2008, achei a ideia fantástica. Aliás, não sei o porquê de não ter usado.

    Eu nem sabia do pedágio urbano de Londres! Se tivesse isso aqui no Rio, eu já estaria falida faz tempo.

    Se tivesse isso aqui no Rio, o povo aprenderia a andar em transportes públicos, por bem ou por mal.

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