Carta ao Marco Feliciano

Rio de Janeiro, 23 de junho de 2013.

Excelentíssimo Deputado Federal Marco Feliciano,

Toda vez que eu ouço os Titãs, eu lembro de você: “mas se eles querem meu sangue, terão o meu sangue só no fim; mas se eles querem meu corpo, só se eu estiver morto, só assim.”  Essa é a sua música.  Tem muita gente querendo pegar V. Exa.  Pudera!  V. Exa. tripudiou com os sentimentos mais íntimos – literalmente – de uma espessa camada da sociedade urbana brasileira.  Deu margem a piadas incrivelmente hilárias, mas tornou-se também alvo do ódio público, inclusive daqueles a quem suas ideias mais ousadas e estranhas não atingem diretamente.

Sua exposição à mídia, desde a sua nomeação para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, tem sido estupenda (e preocupante).  Aumentou muito com a recente onda de protestos populares.  Sua sorte é que você tem colegas ainda piores que V. Exa. (José Dirceu, Eduardo Cunha, Genoíno & cia.).  Isso permite que o ódio público perca V. Exa. de foco.  Não totalmente, mas o suficiente para você não ser esperado na saída.

Eu gostaria, porém, de me solidarizar com V. Exa. em um ponto particular.  Sou fiel crente dos princípios da democracia e, por isso, sou obrigado a entender como fundamental o seu papel na Câmara dos Deputados.  Essa casa legislativa tem por objetivo principal representar o povo.  Ela é um extrato – imperfeito, é verdade, mas o mais próximo que se pode chegar da perfeição, com o devido respeito aos limites do possível – da sociedade brasileira.  Assim, consigo com perfeição enxergar que há pessoas no Brasil em número suficiente para serem representadas por alguém como V. Exa.  Não é à toa – e creio que isso serve como argumento suficiente para pôr fim a qualquer discussão, intelectual ou “de bar” – que V. Exa. recebeu nada mais nada menos que 211.855 votos nominais na última eleição.  Poucos que estão ali conseguiram tanto.  Por isso, dizer que V. Exa. não representa cada um de nós, ainda que um pouquinho, é uma contradição, ao meu ver.

Não acho, portanto, razoável que se deseje tão ardentemente a sua saída de qualquer cargo público.  Acho isso uma bobagem tremenda.  E, justamente por acreditar na democracia, penso, diferentemente de muita gente que conheço, que colocar um representante das maiorias na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias é algo razoável e normal.  Ora, a democracia é o sistema em que a opinião da maioria prevalece sobre a opinião da minoria.  Mais que isso, é o sistema onde a minoria se obriga a seguir a decisão da maioria, sem o direito de virada de mesa.  Nada mais natural que a maioria decida, inclusive, quem vai defender as minorias.  Se a maioria vai fazer a gentileza de indicar um representante minoritário para ter essa voz, são outros quinhentos…  Enquanto forem minoria, serão tratados como tal.  Com respeito, mas ainda assim como minoria.  Até porque, se a minoria começar a impor suas opiniões à maioria, desconfigura-se a democracia e impõe-se a oligarquia (possivelmente até a tirania).

Acho importante ressaltar, aqui, que a Comissão que V. Exa. preside não tem a palavra “defesa” em seu nome.  Isso significa que defender os interesses das minorias não é a finalidade de tal comissão.  O jogo democrático não permite isso.  E é necessário separar a sua atuação enquanto deputado da sua atuação enquanto presidente da referida Comissão.  Nesta função, espero que V. Exa. mantenha a ordem dos trabalhos, atendendo sem interesses escusos a todos os pleitos que lhe forem encaminhados.  Como deputado, representante de uma determinada camada da sociedade, V. Exa. pode até propor os projetos de lei mais estapafúrdios – como esse da “cura gay” – possíveis…  Se os seus colegas vão aprovar ou não, isso já não é mais com V. Exa., mas com o povo brasileiro e seus representantes.

Exigir, portanto, a sua saída, seja da função que ocupa seja do mandato que exerce, me parece um tanto absurdo.  Eu não votei em V. Exa., mas respeito e entendo quem votou – embora tenha inúmeras restrições aos métodos que V. Exa. provavelmente utilizou para angariar tais votos.  Não dá para exigir o seu sangue, senão no fim do seu mandato ou se V. Exa. estiver morto, como diz a música.  V. Exa. é um pouco do que é o Brasil – seja isso bom ou mau.

Resista, exerça seu mandato livremente.  Isso é bom, a longo prazo, para a democracia.  Nos vemos nas urnas, ano que vem.

Leandro.

3 Comments

    1. Os dois gravaram, o CN primeiro e os Titãs depois, do álbum “Acústico”.

      Eu jurava que havia sido ao contrário.

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